Epidemia is a song in Portuguese
Epidemia (Felipe Antunes)
a cidade toda suja
precisava renascer
foi chamado o diligente
forasteiro da TV
vacinando toda gente
vou tratar de florescer
em estado de piedade
vi famílias suplicarem
abismado foi sentindo
que era grave a situação
a cidade fora vítima
de uma rara contração
uma nova epidemia
que aclamava solução
implorava fortes gestos
talvez por internação
principiou muito adorado
fornecendo parecer
via putas na calçada
ordenava recolher
foi guardando pobres pretos
feministas pra aprender
pôs os padres tolerantes
junto às bichas e os drogados
a cidade foi ficando toda limpa dessa história
toda limpa de insurgência, toda açoite, toda glória
o passado se escorria, não havia mais tristeza
quem ficava em liberdade tinha acesso à natureza
mas o acesso vigiado, vasculhava competência
só poeta vacinado declamava em decadência
por fim, dentro de sua estafa, adormeceu
despertou certo de que havia criado uma antiloucura numa sociedade transpirante — e agora antitranspirante — e que precisava devolver a cadência às declamações, os suores às inspirações, as prostitutas aos relentos e relinchos, os cantores aos cabarés imundos, e os autônomos aos sucos de laranja que espremiam em suas esquinas proibidas
foi correndo atormentado
libertando de uma vez
toda gente que trancada
mal sabia o que comer
como porcos se embrenhavam
de ter medo de morrer
mas agora confiados
tinham voz pra rebater
foram em marcha organizados
procurar o que se crer
saquearam vacinados
vacinaram seus bebês
ele se pensava sano
já sentia enlouquecer
deu um tiro no prefeito
internou-se a se esconder
em pouco tempo tudo
escapava da memória
a cidade se contaminando foi
de uma epidemia nova
Felipe Antunes: voz e violão
Tjalle Rens: violoncelo
Participação
Marcelo Castilha: Acordeom
Almada Negreiros: Textos que introduzem e encerram a canção (trechos do Manifesto Anti-Dantas)