Estava frio na minha casa

O sol estava baixo


Não restava de você
Nada
Além da sua carta e suas meias


Eu voltava do trabalho, tinha falado de amor
De desejos e de falta
Tinha falado de nós

Na véspera, recebi um tapa
Ao te ver de volta
Era um prazer insano
Os ventres que se apertam e os corpos que se reencontram

Não havia discurso, a boca beijava o pescoço
Não havia desvios na noite até o fim
Eu não via os abutres, só via seus olhos tão doces
Eu voltava do trabalho orgulhoso de me submeter ao seu jugo
Mas diga, onde você foi?

Nunca o apartamento tinha sido tão grande
Mas diga, onde você foi?
Apesar de quatro janelas, o ar é insuficiente


Você me deixou uma carta
Tão bela quanto feia
A quem pedir ajuda

No meu apartamento só restavam suas palavras
Seu cheiro, sua ausência
Havia uma raposa, um lobo, um eco
E o medo do silêncio

Não era você que me deixava, era o tempo
As horas, a paciência
Algumas sílabas mataram as promessas
De felicidade e da criança

Ainda nos amávamos em 17 de dezembro
Eu acho
Mas em 17 de janeiro tudo desmorona
Eu temo


Os olhos inchados
Pelos soluços
Pelos fogos de artifício
O amor que fazemos
Em um cercado
Em um cinzeiro
Os olhos inchados
Pelos soluços

Apertei forte meus dois punhos juntos
A porta do banheiro tomou uma forma que se parecia com eles
Certamente gritei, mas só ouvia o silêncio
Eu só queria que esse tempo tão lento parasse
Ainda ignorava tudo sobre o porquê e o como
Os curativos rasgados, eu pensava que estava descendo
Apertei forte meus dois punhos juntos e abaixei os olhos para olhar minhas duas mãos ensanguentadas

Cheirava a fim, era o começo
Eu espero
Cheirava a fim, era o começo
Espere

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