Do outro lado

[Poeta Rennan Leta]


É... mais um dia...
Hoje eu vou lutar pelo meu sonho novamente
Me jogar no mundo, ser feliz de fato
Dar pra minha mãe um futuro decente Ver cada um dos meus irmãos tendo seu quarto
É...
Tô descendo a favela com sorriso na cara (é sempre assim)
Apesar da vida dolorosa Com o Axé de Bara
Força de Dandara
A mais bela rosa Rainha Lebara
Magia Odara Inspira verso e prosa.
Mas...
O quê está acontecendo?
Eu não tô entendendo
Queria apenas ser feliz
Por que o peito tá doendo?
Essa luz aqui descendo
Parece a vida por um triz.


É...
Fui do tudo ao nada em questão de segundos
Alguém me confundiu com bandido
E atirou sem hesitar
Zambi, por que tanta falta de amor nesse mundo?
O preconceito embutido
E tem gente que acha que é blá-blá-blá
Só que hoje foi trá-trá-trá
Atravessou o meu peito
Trá-trá-trá
Nem deu pra me despedir direito...
Eu sou...
Eu sou...
Eu sou Kauan, Gabriel, Dyogo
Lucas, Tiago, Evaldo
Todo corpo da favela que a bala tira do jogo E precocemente vai pro outro lado.
Parem de nos matar.


[W-Black]


Uma bala atravessou minha trajetória
Lembrei quando acordei do outro lado
E vi que tinha uma história
Será que tava vivo? Não sei
Ninguém me ouvia quando eu acordei

Tá tá tá tá tá tá tá
Foi o último som que escutei antes me desligar do corpo
E do lado de cá
Aos poucos me contaram, ou melhor,
Descobri que tava morto

Tá tá tá tá tá tá tá
É o único som que eu sempre detestei na minha favela Pare de nos matar!
80 tiros você
Não vê nem em cenário de novela

Entrei na favela com muito cuidado andando no canto, cantando meus sonhos
Pensando na vida, na metas, estudo, projetos... (som de tiro)

É engraçado como as coisas são, ou não
Eu já fui professor de aluno pobre, ou não
Oh moça, antes de esconder o Iphone, assimila
Um preto já deu aula pra tua filha
Cuidado, isso não é meritocracia Mas é potência da periferia!

Tá tá tá tá tá tá tá
É som de tiro, muito comum em território de favela
Entre dor e o tormento, não entretenimento
Tipo ver ocupação como novela

Tá tá tá tá tá tá tá
Podia ser apenas o som do martelo na construção
Entre cheques e clicks
Na selfie e na festa chique
Tu prefere fingir que o tá tá tá é só repique

Sai da bolha, dessa vida de mentira!
O Adinkra diz Sankofa: aprende irmão!
Memórias apagadas, eugenia
Mas o filtro do Instagram te prendeu numa ilusão

Aqui do outro lado eu vejo dores não um paraíso do discurso de pastores mas eu vou continuar e vencer as vozes que tão a me atormentar

Pra ver se noutra vida de repente
eu não seja assassinado pela cor da minha pele novamente Preto, tá na hora de acordar de saber que tu é fruto de Baobá

Tá tá tá tá tá tá tá
Muita gente só falava isso pra me ver calar a boca Corra! Get out! Us!
Não ligam nós, pra nossa dor, mas lute, não corra

Tá tá tá tá tá tá tá
É o único som que eu sempre detestei na minha favela Pare de nos matar!
80 tiros você
Você não vê nem em cenário de novela

Depois desse debate...
Sinceramente: o que que é estar do outro lado?
Eu que desencarnei...ou vc que na carne, sei
Que tá morto por dentro preso num mundo de alienado?