A milonga anda há tanto
a lamber suas feridas.
Conta a hora distorcida
no relógio estagnado.
Sente fria a sua vida
ante a morte presumida
na carcaça esquecida
de um violão abandonado.

E quando, de repente,
os acordes abrem covas
a vida é posta à prova
dum milagre que nos ronda.
Destino sem delongas,
que certeiro se comprova
- é um Lázaro que inova
renascendo na Milonga - .

Nem mesmo os evangelhos de Ramil ou de Yupanqui
previam que o sangue da milonga ferveria...
E que, da noite para o dia, ousaria por aí
pra dizer que não aceita mais as velhas covardias.

- Milonga de protestos
sem cantar meias palavras!
- Milonga manifesto,
liquefaz qualquer mistério !

Vai Anita, guia o povo
e pinta a liberdade
sem dizer meias verdades.
(Delacroix gaudério).

O Rio Grande em viva forma
de um cubismo no rincão
Faz até o velho Paixão
fugir do bronze de onde fica
E aplaudir quem amplifica
A milonga em sua missão
Da vanguarda pampeana
(gauderismos no Guernica)

Milonga dissidente,
dissonante, dissoluta.
Milonga vai à luta
contra o ódio de concreto
que marcha tão ereto
numa torpe reculuta
e com força absoluta
dissemina seu decreto.

Nem mesmo Teinaguá e Blau Nunes de Simões
contaram tais versões da milonga divergente,
que agora vai adiante pra romper os mil grilhões
e florir nos corações de um pampa consciente.